Regulação de Serviços Públicos Essenciais no Pós-Pandemia: Reflexões e Perspectivas

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Na tarde de terça-feira (01), a Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR) promoveu um painel de discussões virtual, no intuito de debater a regulação dos serviços públicos essenciais no contexto pós-pandemia.

Participaram como palestrantes: Natasha Schmitt Caccia Salinas, Professora de Direito da Regulação na FGV (Fundação Getúlio Vargas) Direito Rio; Thiago Costa Monteiro Caldeira, Secretário de Parcerias em Transportes no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos); Evandro Pereira Caldas, Procurador-Geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo e Gustavo Justino de Oliveira, Professor Doutor de Direito Administrativo na USP (Universidade de São Paulo) e no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). A moderação foi de Carlos Roberto Oliveira, Diretor Administrativo e Financeiro da ARES-PCJ (Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), que representava a ABAR no evento.

A professora Natasha Salinas iniciou sua fala apresentando os estudos empíricos, realizados pela FGV, com focos nas respostas das agências reguladoras federais, em relação à pandemia da COVID-19. Ela apresentou, ainda, dados de dois estudos feitos pela Fundação, um deles com foco na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O estudo foi baseado nas informações divulgadas pelas próprias agências em seus canais de notícia, assim como no Diário Oficial da União. Foram mapeadas 307 medidas, que foram divididas em: 1. Medidas para garantir a continuidade dos serviços públicos essenciais durante a pandemia e 2. Flexibilização de certas exigências dos reguladores, para que esses continuassem desenvolvendo as atividades econômicas no contexto da pandemia.

Segundo Natasha, “as agências precisaram flexibilizar as próprias ações, em especial no que diz respeito a produção normativa e produção regulatória. Deixaram de fazer análise do impacto regulatório (o que são obrigados, agora), de realizar consulta pública para todos os atos regulatórios. Uma série de ações tiveram que ser flexibilizadas como fiscalizações e auditorias, que foram suspensas ou passaram a ocorrer de forma remota”. Para a professora, é importante tratar disso, pois algumas situações poderão ser questionadas futuramente por terem sido flexibilizadas, mas ela ressalta que, algumas práticas adotadas no período da pandemia poderão se tornar permanentes no pós-pandemia, como a colaboração entre órgãos.

Em observação a fala da professora Natasha, o mediador, Carlos Roberto, declarou que “A flexibilização dos processos e procedimentos tem sido um grande desafio. Inclusive, em se tratando de saneamento, a ABAR emitiu um documento com 20 diretrizes para nortear os procedimentos básicos das agências reguladoras. A gente também tem medo de como seremos avaliados lá na frente pelos tribunais de contas e estamos apostando no art. 22 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), onde fala que as circunstâncias do momento tem que ser consideradas quando analisar as decisões que foram tomadas”.

Em seguida foi convidado o secretário Thiago Caldeira, que aproveitou a fala de Natasha para declarar que as flexibilizações realizadas nesse momento de pandemia deveriam ser avaliadas em um pós-pandemia no intuito de revisar os contratos de concessão e dando lugar a formas de regulação mais brandas e mais inteligentes. “É necessário que tenhamos contratos mais autorregulados, que tenham incentivos mais em alinhados, regras contratuais mais eficientes, de forma que tenham mais normas de incentivo, ao invés de punições”, disse Thiago. E em relação a isso, Carlos Roberto pontuou que esse é um pensamento muito inteligente de “compromisso de ajustamento de conduta”, pois às vezes, o regulado acha mais fácil pagar a multa a resolver o problema do usuário.

Thiago também falou sobre riscos de demanda, que em alguns órgãos recaem mais sobre o governo, em outros casos é submetido mais ao concessionário. Segundo a avaliação do PPI, quanto maior o risco, maior o retorno esperado pelo concessionário, logo, o Governo Federal, juntamente com o PPI, estuda uma maneira de melhorar os contratos, no pó-pandemia, para que os riscos sejam compartilhados e não fique todo submetido ao concessionário.

Evandro Caldas, procurador-geral da ANP, iniciou ressaltando que falar do pós-pandemia não é fácil, já que ainda se está vivendo a pandemia. Evandro lembrou que a ANP passou a pouco tempo pela necessidade de regular cautelarmente quando da crise gerada no setor pela greve dos caminhoneiros, em que, assim como agora, foi preciso tomar decisões para que se passasse pela crise sob os menores prejuízos possíveis.

Para o procurador, no pós-pandemia será necessário que o poder concedente e concessionário sentem para reavaliar e ajustar as necessidades de ambos, porém protegendo a sociedade que depende do serviço prestado. O melhor seria que fosse possível um acordo sem a necessidade de envolver o poder judiciário, já que isso prolongaria a crise por vários anos, até que a decisão seja tomada.

Outro ponto abordado por Evandro foi o medo e a incerteza do pós-pandemia em relação a percepção de risco e pelo aumento da burocracia gerado pela insegurança do momento. “Na tentativa de gerar segurança, muitas vezes você cria amarras, que na verdade afastam empresários e extingue empregos” disse ele. E um ponto positivo, foram as inovações geradas por conta da pandemia, o aumento do uso das tecnologias. Claro que a eficiência disso deverá ser avaliada no pós-pandemia, mas como será algo que já foi testado na prática, terá melhor argumentação na hora da regulamentação.

Por fim, falou o professor Gustavo Justino da USP e do IDP que iniciou falando sobre o que seriam os serviços públicos essenciais. Tal assunto está descrito na Lei 13979/2020 art.3 §8 e §9. Em análise a lei e aos decretos criados a partir dela, o professor avalia que nem tudo o que ali foi descrito como essencial será, ou não era e passará a ser, no pós-pandemia. Com isso, apesar de não estar descrito nem na lei, nem nos decretos, as agências reguladores precisaram se posicionar para a segurança da população em relação à prestação dos serviços, de forma a regular proibindo a suspensão de serviços, como água e luz mesmo mediante inadimplência.

Gustavo também falou sobre a falta de uniformização de ações. “Não há uma lei que traga uma segurança ao regulador para as ações da pandemia, contudo, existe o projeto de lei 2139/2020 que ilumina o caminho do regulador, do gestor público nas necessidades de recomposição, no reequilíbrio econômico/financeiro e traz algumas novidades nesse contexto pandêmico que impacta os contratos”, disse ele.

Após a fala do professor Gustavo foram esclarecidas algumas dúvidas dos participantes do painel. A professora Natasha Salinas deixou aos participantes do painel o convite para participar do 3º Prêmio de Melhores Práticas em Regulação que está com inscrições abertas até 15 de setembro. Para maiores informações acesse aqui.

Veja no vídeo a íntegra do debate.